Logo que acabou o primeiro turno eu solicitei a alunos,
colegas e amigos que me enviassem relatos sobre fatos ocorridos na eleição de 07 de outubro passado. Eu pedi narrações que deem conta do quanto nossa cultura política é pouco
democrática e de fatos que demonstrem a fragilidade de nossas instituições. O que
quero é ter exemplos que mostrem o nosso comportamento pouco republicano em
eleições. E quero entender como conseguimos tornar o simples ato de escolher
nossos representantes em uma grande festa - a festa da democracia.
Hoje eu vou tratar da eleição na cidade de Esperança.
Os fatos me foram relatados por Fernanda Almeida, moradora de lá , ouvinte do
Jornal Integração e minha aluna. Lá aconteceu o imponderável. Vejamos que Anderson Monteiro
foi eleito prefeito com 9.411 votos e Nilber Almeida ficou em segundo lugar com
9.066 votos.
Mas, eles não eram candidatos até um dia antes da
eleição. Os postulantes eram o deputado estadual Arnaldo Monteiro (PSC) e o
prefeito, candidato a reeleição, Nobson Almeida (PSB). Os acontecimentos fizeram
com que eles não mais concorressem. O fato de termos uma eleição que foi resolvida
com uma diferença de apenas 345 votos, num universo de 18.477, já diz muito do
estado de coisas nesse município. Vejamos os fatos e notem que tudo ocorreu em
um espaço de menos de 24 horas.
Na véspera da eleição, por volta das 17 horas, circulou
de mão em mão cópias de uma decisão, assinada pelo Ministro Dias Tofolli do TSE,
que indeferia a candidatura de Nobson Almeida, com base na Lei da Ficha Limpa, e
o tornava inelegível por oito anos. Os eleitores de Arnaldo Monteiro foram às
ruas comemorar, pois a decisão liquidava a fatura da eleição. Já os eleitores
de Nobson foram protestar. Os conflitos foram inevitáveis e o caos
estabeleceu-se. A Polícia Militar teve que vir para conter a confusão.
Ainda no sábado, por
volta das 20 horas, o deputado Arnaldo Monteiro renunciou a sua postulação ao
saber que sua candidatura seria negada pelo TSE. Assim, inverteu-se a situação.
Quem comemorava passou a reclamar e quem reclamava, comemorou. Com o caos
estabelecido, o que será que passava na cabeça do eleitor de Esperança? O que
mais perturbava a todos era o fato dessas decisões terem ocorrido não um mês
antes da eleição, mas a poucas horas das urnas abrirem.
O que o povo de Esperança
se perguntava era o que se passava na cabeça do Ministro Toffoli para tomar tal
decisão naquele sábado. Com um mínimo de sensatez, se deixaria para tomá-la na
segunda-feira após a eleição. Se o TSE não foi capaz de julgar os casos de
Esperança em tempo hábil, deveria ter tido um mínimo de habilidade política
para não levar um município com quase 32 mil habitantes aos caos, a uma
anomalia política e jurídica.
Mas, a lei permite que um
candidato que desistiu, ou foi cassado, indique um substituto. Arnaldo Monteiro
indicou seu filho, Anderson, para substituí-lo. Nobson Almeida escolheu seu
sobrinho, Nilber, para ir às urnas no seu lugar. O povo de Esperança foi tentar dormir com a seguinte situação. Anderson Monteiro
candidato, no lugar de Arnaldo. E Nilber Almeida, candidato no lugar de Nobson,
mas esperando aprovação da justiça eleitoral. Agora, vamos imaginar o absurdo
da situação.
No domingo da eleição, enquanto os eleitores se
dirigiam as urnas, um carro de som anunciava às mudanças. Essa foi forma mais republicana
do eleitor ficar sabendo em quem poderia votar. E havia a incerteza quanto à
situação de Nilber Almeida. Ninguém sabia ao certo o que aconteceria com os
votos que ele obtivesse caso a solicitação de seu registro não fosse aprovada
no TRE. Os votos seriam anulados, mas isso não ficava claro e a incerteza e a
insegurança só aumentavam.
Foi apenas por volta das três horas da tarde que o tal
carro de som foi recolhido e que o TRE comunicou que a candidatura de Nilber
era regular. Ou seja, durante quase todo o dia muitos votaram em um candidato
sem saber se ele poderia mesmo ser votado. Anderson Monteiro foi eleito e não
faltará quem questione se as coisas não poderiam ter sido diferentes. Sim,
poderiam. O deputado Arnaldo e o prefeito Nobson teriam poupado esforços se não
tivessem levado adiante suas candidaturas.
A justiça eleitoral pouparia o povo de Esperança
dessa celeuma toda se fosse mais célere e não tivesse a compreensão unilateral
de que todos devem esperar passivamente que ela finalmente tome uma decisão,
mesmo que seja na véspera da eleição. A justiça eleitoral toma várias medidas
para dar segurança à eleição, até pede tropas federais, mas parece não entender
que com decisões como essa causa tumultos de toda sorte. Dessa forma, fica
difícil querer que as pessoas festejem a democracia.
Agora, os eleitores de Nilber pedem a anulação da
eleição que entrou com uma ação pedindo impugnação da candidatura de Anderson. Os
advogados de Nilber dizem que um resultado sairá até a diplomação. A eleição em
Esperança vai, agora, para o terceiro turno longe das ruas e das urnas. É Assim que funciona
nossa democracia.