sexta-feira, 5 de outubro de 2012

The Grey Zone - a zona cinzenta da democracia brasileira.







No Brasil temos eleições assíduas e alternância no poder há 27 anos. Não muito diferente de Honduras, onde por 21 anos se usou procedimentos democráticos, até que um golpe de Estado os jogou na lata do lixo.





O Brasil tem uma democracia frágil, pois não respeita os itens que fazem um sistema democrático. Ontem eu os citei aqui no POLITICANDO. São eles: eleições competitivas, livres e críveis; cidadania vigorosa; liberdades civis e direitos políticos; governo de fato e militares controlados pelos civis.





Os militares hondurenhos serviram-se do artigo 272 de sua Constituição para deporem o presidente Manuel Zelaya em 2009. Lá as Forças Armadas devem “defender a soberania da República, manter a paz e a ordem pública”.  Em nossa Constituição, o artigo 142 dá às Forças Armadas o papel de garantidoras dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. É que entulhos autoritários permanecem em nosso ordenamento jurídico impedindo que esqueçamos nosso passado ditatorial.





Considerando que eleição é necessária pra termos democracia, em que pese não garantir sua solidez, podemos assegurar que não temos mais possibilidades de uma volta ao autoritarismo? Honduras experimentou a democracia, mas voltou ao estado de força. No Brasil, vivemos uma situação letárgica, uma espécie de torpor ou desânimo, onde nem fortalecemos as instituições, para que não sejam ameaçadas, e nem retroagimos para uma ditadura.




Vivemos em uma zona cinzenta, nebulosa, entre o autoritarismo e a democracia. O instituto chileno Latinobarômetro aferiu que 40% dos brasileiros aceitaria trocar seu governo democrático por um governo forte desde que ele promova desenvolvimento econômico e combata a corrupção. Isto confirma a tese de que a democracia precisa de elementos substanciais para se sustentar, além dos formais. Por aí se entende por que parte da população hondurenha apoiou o golpe militar patrocinado pelos poderes Judiciário e Legislativo.




Em 1992, Alberto Fujimori apoiou-se nas Forças Armadas peruanas para, explorando a corrupção e a guerrilha, dar um golpe de Estado. Antes, quis saber se a população concordava com o fechamento, devido à corrupção, do Congresso e do Judiciário. 71% dos entrevistados aprovaram a dissolução do legislativo e 89% concordaram com a intervenção no judiciário. Quando a comunidade internacional condenou o golpe, o “Chino” proclamou que “o povo está comigo!”.




Em abril de 2009, o senador Cristovam Buarque lançou estapafúrdia ideia de um plebiscito para que a população decidisse sobre o fechamento do Congresso brasileiro, devido a corrupção e a disfunção causada pelas medidas provisórias do poder Executivo. Cristovam lembrou que quem legisla é o Judiciário, já que o Congresso Nacional segue se recusando em fazer a reforma política. Ele nada disse sobre quem e como se fecharia o Congresso, caso a população brasileira, tal qual a peruana, assim o quisesse.




Charge do cartunista Laerte. Revista Caros Amigos - Ano IV - n° 15 - Novembro/2002. 
Edição Especial “Para onde vai a democracia?”




Na noção clássica latino-americana de golpe de Estado é o Exército, a pedido da sociedade civil, quem enquadra o parlamento.  No golpe civil/militar de 1964, parlamentares foram cassados sob acusação de corruptos. Golpes são racionalizados pela necessidade de se aplicar remédios amargos em doentes graves.



Discursos fáceis, tentativas de se perpetuar no poder e asfixia do Congresso podem vir a acabar com o pouco oxigênio que nossa democracia ainda respira.




Governo e parlamento só são legítimos, se consentidos pela população. Esta autorização se materializado pelo voto, não pela força das armas.  A democracia é um método institucional de se escolher os que vão decidir. Ela é também uma forma de se evitar que os escolhidos se perpetuem no poder. Devemos nos contentar com isso? Não, é muito pouco. Mas, se não consolidarmos nem isso, como avançaremos para um patamar superior?




Como avançaremos para um sistema que contemple amplos aspectos do funcionamento de um Estado e que seja a um só tempo legal e legítimo, portanto, de direito e democrático? Desde a proclamação da República, ainda não tivemos mais de 35 anos contínuos de democracia, sem que autoritarismos de toda sorte perturbem o funcionamento das instituições políticas.




Do fim do regime militar, em 1985, até aqui, somamos menos anos do que os vividos sob as duas ditaduras do século XX. Nossa frágil democracia eleitoral tem muito que evoluir. Essa evolução pode começar agora se adotarmos um comportamento diferente diante desse processo eleitoral.





Que tal começarmos a tratar o processo eleitoral como o momento em que contratamos nossos representantes através do voto e não como uma festa ou, pior, como um luta de vida e morte que ganha quem conquista um cargo público?