No Brasil temos eleições assíduas e alternância no
poder há 27 anos. Não muito diferente de Honduras, onde por 21 anos se usou
procedimentos democráticos, até que um golpe de Estado os jogou na lata do
lixo.
O Brasil tem uma democracia frágil, pois não respeita
os itens que fazem um sistema democrático. Ontem eu os citei aqui no
POLITICANDO. São eles: eleições competitivas, livres e críveis; cidadania
vigorosa; liberdades civis e direitos políticos; governo de fato e militares
controlados pelos civis.
Os militares hondurenhos serviram-se do artigo 272
de sua Constituição para deporem o presidente Manuel Zelaya em 2009. Lá as Forças
Armadas devem “defender a soberania da República, manter a paz e a ordem
pública”. Em nossa Constituição, o
artigo 142 dá às Forças Armadas o papel de garantidoras dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem. É que entulhos autoritários permanecem em
nosso ordenamento jurídico impedindo que esqueçamos nosso passado ditatorial.
Considerando que eleição é necessária pra termos
democracia, em que pese não garantir sua solidez, podemos assegurar que não
temos mais possibilidades de uma volta ao autoritarismo? Honduras experimentou
a democracia, mas voltou ao estado de força. No Brasil, vivemos uma situação letárgica,
uma espécie de torpor ou desânimo, onde nem fortalecemos as instituições, para
que não sejam ameaçadas, e nem retroagimos para uma ditadura.
Vivemos em uma zona cinzenta, nebulosa, entre o
autoritarismo e a democracia. O instituto chileno Latinobarômetro aferiu que
40% dos brasileiros aceitaria trocar seu governo democrático por um governo
forte desde que ele promova desenvolvimento econômico e combata a corrupção. Isto
confirma a tese de que a democracia precisa de elementos substanciais para se
sustentar, além dos formais. Por aí se entende por que parte da população
hondurenha apoiou o golpe militar patrocinado pelos poderes Judiciário e
Legislativo.
Em 1992, Alberto Fujimori apoiou-se nas Forças
Armadas peruanas para, explorando a corrupção e a guerrilha, dar um golpe de
Estado. Antes, quis saber se a população concordava com o fechamento, devido à
corrupção, do Congresso e do Judiciário. 71% dos entrevistados aprovaram a
dissolução do legislativo e 89% concordaram com a intervenção no judiciário.
Quando a comunidade internacional condenou o golpe, o “Chino” proclamou que “o
povo está comigo!”.
Em abril de 2009, o senador Cristovam Buarque
lançou estapafúrdia ideia de um plebiscito para que a população decidisse sobre
o fechamento do Congresso brasileiro, devido a corrupção e a disfunção causada
pelas medidas provisórias do poder Executivo. Cristovam lembrou que quem
legisla é o Judiciário, já que o Congresso Nacional segue se recusando em fazer
a reforma política. Ele nada disse sobre quem e como se fecharia o Congresso,
caso a população brasileira, tal qual a peruana, assim o quisesse.
Charge do cartunista Laerte. Revista Caros Amigos - Ano IV - n° 15 - Novembro/2002.
Edição Especial “Para onde vai a democracia?”
Na noção clássica latino-americana de golpe de
Estado é o Exército, a pedido da sociedade civil, quem enquadra o parlamento. No golpe civil/militar
de 1964, parlamentares foram cassados sob acusação de corruptos. Golpes são
racionalizados pela necessidade de se aplicar remédios amargos em doentes
graves.
Discursos fáceis, tentativas de se perpetuar no poder e asfixia do Congresso podem vir a acabar com o pouco oxigênio que nossa democracia ainda respira.
Discursos fáceis, tentativas de se perpetuar no poder e asfixia do Congresso podem vir a acabar com o pouco oxigênio que nossa democracia ainda respira.
Governo e parlamento só são legítimos, se
consentidos pela população. Esta autorização se materializado pelo voto, não
pela força das armas. A democracia é um
método institucional de se escolher os que vão decidir. Ela é também uma forma
de se evitar que os escolhidos se perpetuem no poder. Devemos nos contentar com
isso? Não, é muito pouco. Mas, se não consolidarmos nem isso, como avançaremos
para um patamar superior?
Como avançaremos para um sistema que contemple amplos
aspectos do funcionamento de um Estado e que seja a um só tempo legal e
legítimo, portanto, de direito e democrático? Desde a proclamação da República,
ainda não tivemos mais de 35 anos contínuos de democracia, sem que
autoritarismos de toda sorte perturbem o funcionamento das instituições
políticas.
Do fim do regime militar, em 1985, até aqui,
somamos menos anos do que os vividos sob as duas ditaduras do século XX. Nossa
frágil democracia eleitoral tem muito que evoluir. Essa evolução pode começar agora
se adotarmos um comportamento diferente diante desse processo eleitoral.
Que tal começarmos a tratar o processo eleitoral
como o momento em que contratamos nossos representantes através do voto e não
como uma festa ou, pior, como um luta de vida e morte que ganha quem conquista
um cargo público?