Na semana passada eu falei aqui,
no POLITICANDO, que o cidadão quer que seus governantes respeitem os mecanismo
de participação e que sejam efetivos em termos de políticas públicas. Eu falei
que 44% dos latino-americanos prefere ter crescimento econômico a ter democracia
e que trocariam seu governo democrático por um autoritário, desde que ele
promovesse bons níveis de desenvolvimento.
Mas, será que temos que escolher
entre desenvolvimento e a democracia? Porque não ficar com pacote completo?
Será que existe um real dilema entre democracia e crescimento econômico? Desenvolvimento
econômico e democracia não são contraditórios entre si. Existem países que só
são desenvolvidos porque são democráticos e nações que só se tornaram
democráticas porque experimentaram os benefícios do desenvolvimento econômico.
Discordo dos que só valorizam a
democracia se estiverem satisfeitas com os rumos da economia. O cientista
político Robert Putnam afirma que “não
existe uma forte relação entre os altos e baixos da economia e os índices de
confiabilidade que as pessoas depositam nos governos”. Veja-se que nosso país tem experimentando bons
níveis de desenvolvimento econômico, mas nem por isso consolida seu sistema
democrático. Seguimos preferindo viver numa democracia de formalismos.
Continuamos a ter um sistema eleitoral
eficiente que, no entanto, conduz mensaleiros, palhaços de todos os tipos e
pessoas desinteressadas para com as coisas do Estado ao parlamento e ao
governo.
O fato é que nos habituamos a
demonizar aqueles que elegemos e a nos vitimizar. Achamos mais fácil culpar o
governo por tudo que está errado em nossa volta. Raramente nos organizamos para
reivindicar nossos direitos. E é por isso que vamos cada vez mais sendo
governados por governos ineficientes, quando não corrompidos por um sistema
político que aceita a impunidade como regra.
Os governos, e a democracia,
funcionarão mais e melhor onde existir bons níveis de engajamento civil. Onde
houver uma população participativa, haverá um governo comprometido. A regra é
clara, já diria aquele ex-juiz de futebol. O fato é que não adianta
simplesmente eleger os governantes, é preciso que a sociedade se engaje nas
coisas da República e nas questões do Estado. Enfim, não basta votar tem que
participar.
Sociedades, como a brasileira,
com estruturas hierarquizadas levam a população a concluir que não deve ter
responsabilidades e que as questões públicas são apenas da alçada do governo. Quanto
mais capital social houver em uma sociedade, mais qualidade governamental ela
terá. Uma sociedade onde os níveis de confiança e de responsabilidade entre as
pessoas são altos tem boas chances de ser, também, democrática.
Em relação aos governos, a
descrença na democracia é, ainda, reflexo dos muitos anos em que vivemos sobre
duas ditaduras (a de Getúlio Vargas e a dos militares). Acostumamo-nos a não
ter direitos, só deveres. No Brasil, não trilhamos um processo de transição e
redemocratização. O que fizemos foi um lento processo de liberalização. A
passos de tartaruga, fomos substituindo normas, leis e instituições
autoritárias por procedimentos democráticos como as eleições.
Nós não encerramos a ditadura e
iniciamos um novo sistema democrático. Fomos reformando o antigo sistema,
reaproveitando algumas velhas estruturas e criando algumas novas. Construímos
uma nova casa sob as paredes da velha moradia.
O fato é que não dá para exigir
que sejamos democráticos e acreditemos nas instituições se temos que conviver
com as notícias de corrupção e com um tipo de Estado que está bem longe de ser
de direito, pois não garante segurança, por exemplo, a seus cidadãos.
Será que podemos pedir a
Alessandra Bezerra que acredite na democracia, depois dela ter visto seu marido
morto com várias marcas de tortura pelo corpo? Para quem não sabe, o marido de
Alessandra teria sido espancado até a morte por policiais, depois de invadir a
casa de um PM motivado por uma crise psicótica fruto do uso e abuso de crack.
Como querer que
o cidadão acredite e defenda os valores da democracia se ele é diariamente desrespeitado
em seus direitos mas básicos. Democracia é algo processual e tem que ter
substância. Democracia não é algo que se cria do dia para a noite. Não é por
que temos eleições a cada dois anos que podemos supor que somos a sociedade
mais democrática do mundo.
Eleições são condição necessária
para se ter democracia. Mas não são e não podem ser condição suficiente. Muito
mais do que uma democracia de formalismos e regras, precisamos ter uma cultura
democrática que dê lastro a procedimentos igualmente democráticos.