Ontem, 19 de junho,
aquele que foi considerado, por Millôr Fernandes, a única unanimidade nacional
completou 70 anos de vida e 50 anos de carreira artística. Chico Buarque chega aos 70 anos tão lúcido,
produtivo e criativo como a 30 ou 40 anos atrás. Eu até discordo de Millôr
Fernandes. Chico Buarque não é uma unanimidade nacional, até porque, como diria
Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Chico é um clássico da musica, da
literatura, da política e, porque não, do futebol. O caro ouvinte sabe o que é um
clássico? O clássico é o que consegue ser atemporal, sem ser anacrônico, que
agrada gerações sem precisar mudar sua essência. Um clássico consegue pairar
acima das opiniões. Enfim, clássico é algo que fica.
Clássico é aquilo que reencontramos depois de muito tempo para
rever, reinterpretar e redimensionar para o momento em que vivemos. O clássico
cabe em muitos presentes e não só naquele em que foi feito. Eu tenho muitos
clássicos, e um deles é Chico Buarque. Talvez por medo de vulgarizar ou por
algum tipo de elitismo intelectual que, confesso, termino tendo, eu não escuto
com frequência as músicas de Chico Buarque. Já algum tempo, tenho lido muito as
obras de Chico e tenho lido muito sobre ele. Uma das melhores formas de
revisitar esse clássico da música e da literatura brasileira é através da série
de DVD´s que, de forma um tanto quanto pretensiosa, quer contar vários aspectos
da vida e da carreira de Chico Buarque.
Cada DVD aborda Chico Buarque e um tema. Então temos, “Chico e o
samba”; “Chico e a política”; “Chico e as mulheres”; “Chico e o futebol”;
“Chico e o teatro”; “Chico e Tom Jobim” e por aí vai. Aliás, foi Tom Jobim que
disse que Chico é o sucessor de Noel Rosa. E eu diria mais: além de sucessor,
ele é o continuador de tudo aquilo que Noel não pode fazer por ter morrido tão
jovem. Chico reencarna e representa Pixinguinha, Lupicínio Rodrigues, Nelson
Cavaquinho, Cartola, Ari Barroso, Dorival Caymmi, etc, etc, etc. Chico Buarque foi
formado na tradição do virtuosismo letrístico e musical. Foi Chico que
sistematizou, ou adequou, a tradição do samba, de todos esses compositores, ao
que se convencionou chamar de Música Popular Brasileira (MPB).
Chico foi fundamental para a MPB, pois soube recolher elementos no
que de melhor tivemos na música, desde os chorões e Chiquinha Gonzaga, passando
por Villa Lobos, até Vinícius de Morais e o próprio Tom Jobim. Chico soube converter
isso tudo numa produção inovadora e absolutamente bem estruturada. Foi ele que inaugurou
um novo tipo de arte musical, na década de 60, ancorado na estética
bossa-novista que ainda está por ser definida. Chico se autodefine, num desses
DVDs, como um letrista. E é isso mesmo! Chico é, por tudo que consegue
representar e por ele mesmo, o maior letrista da MPB. Ele é um caçador de
palavras, um arqueólogo dos grandes achados lingüísticos.
Ninguém como ele para, com as palavras certas, dizer as coisas certas.
Na música “Tanta Amar”, Chico diz: “amo tanto e de tanto amar, acho que ela é
bonita”. Ou seja, não importa o que seja a mulher, ele a ama e todas as
questões se encerram ali. Em “O meu
amor”, ele diz “desfruta do meu
corpo, como se o meu corpo fosse a sua casa”. Vejam como se diz tudo sobre
uma relação sexual com palavras tão simples. Isso é fácil? Claro que não. Por
isso, que só mesmo um Chico Buarque para fazê-lo. Chico foge do óbvio e nos
força a conhecer as coisas. Quem mais usaria gelosia ao invés do usual janela?
Foi Chico que me ensinou a usar corretamente um dicionário ao dizer que se
divertia em buscar sinônimos num dicionário chamado “Caldas Aulete”.
E pouco importa os que tentaram desqualificá-lo por sua acentuada e
autoreconhecida desafinação. Mesmo sendo desafinado, Chico sabe como ninguém
construir belas canções, onde letra e música se entrelaçam de um jeito que até
parece ser fácil fazer. Hoje, relendo a obra de Chico, consigo entende mais e
melhor sua importância política. Muito antes de a ecologia virar moda, nos
discursos fáceis de uma intelectualidade politicamente correta, Chico já praticava
o ativismo verde. O caro ouvinte pode, por exemplo, ouvir a música “Os homens vão chegar”, onde Chico diz
aos passarinhos para tomarem cuidado com os desatinos do homem em relação à
natureza. Em “Bye, Bye, Brasil” Chico denuncia a devastação da floresta
amazônica.
Talvez, já se tenha dito tudo sobre Chico. Talvez eu esteja sendo
redundante. O fato, é que escrevo para significar a importância de Chico
Buarque e de sua obra para a cultura nacional. Já que tanto falamos de golpe e
ditadura por que não ouvir músicas como “Vai Passar”, “Cálice” e “Roda Viva”. E
que tal ouvir Chico falando dos sentimentos em “Olhos nos Olhos”, “Tanto Amar”,
“Carolina”, “Trocando em Miúdos”? É por isso tudo que eu “prescrevo” o clássico
Chico Buarque como um remédio para os nossos dias. Parodiando o próprio, eu
indico: beba Chico, cheire Chico, fume Chico, use Chico, injete Chico na veia;
não tem contra indicação. Pode se viciar nele, só vai fazer bem a você, caro ouvinte,
como faz a mim a mais de 30 anos.
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