Eu li certa vez que nós, seres
humanos, nascemos pequenos trogloditas e que é o processo educacional, que
enfrentamos nos primeiros 20 anos de nossas vidas, além do exercício da
autoridade, disciplina e força que pode nos tornar civilizados. Sim, isso
mesmo, não nos tornamos civilizados por que achamos bonito e sim porque somos
levados a isso por algo que a maioria de nós prefere ignorar. Eu falo do
exercício da autoridade, do uso da lei e, no limite, do uso da força. É preciso
lembrar que só respeitamos a lei pela ameaça da punição. Se a lei não trouxer,
em seu texto, o que acontece com quem não a cumpre não serve de nada. A verdade
é que sem a ameaça, ou sem a promessa de um castigo, somos praticamente
selvagens.
A lei é uma imposição que aceitamos
para viver melhor. A lei é o instrumento que nos insere na civilidade. É por
isso que precisamos da força, da polícia, enfim dos instrumentos que nos fazem
lembrar que precisamos respeitar a lei. Há cerca de 10 mil anos vivemos em
cidades convivendo com pessoas diferentes e com as quais não temos parentesco.
Viver na cidade significou estar na civilização. Significou que um estranho não
era necessariamente um inimigo que deveríamos combater. E vejam que, hoje em
dia, isso ainda tem suas exceções. Na Papua–Nova Guiné, um conjunto de ilhas em
forma de país que fica na Oceania, se dois estranhos não encontrarem um
parentesco após uma breve conversa partem para um embate mortal.
O caro ouvinte quer saber o que foi
que permitiu que pudéssemos conviver pacificamente com estranhos em um mesmo
lugar? Foi à instituição do Estado. Foi o fato de termo consagrado ao Estado o
monopólio da força que nos pacificou – que nos fez deixar de sermos lobos de
nós mesmos. Foi apenas quando pudemos abrir mão de nossa força, e repassá-la ao
Estado, que tivemos como viver mais e melhor. Foi só quando definimos o que é
transgredir e que o transgressor deve ser punido que deixamos de ser
trogloditas. Claro,
os códigos e as punições eram, no início, tão bárbaros quanto aqueles que os
elaboravam. Vejam que o Código de Hammurabi impunha punições das mais duras com
a ideia de “Olho por olho, dente por dente”.
Este código foi
elaborado pelo rei Hammurabi, por volta de 1700 a.C., na região da antiga
Mesopotâmia, onde hoje está o Irã. Não é a toa que lá, no Irá, as pessoas ainda
são apedrejadas em praça pública por coisas como o adultério. As leis e as
punições foram se tornando mais civilizadas. Aos poucos os castigos foram
deixando de serem físicos e o princípio do monopólio da violência pelo Estado
foi sendo implantado nas sociedades na medida em que elas iam se tornando
democráticas. A lógica do monopólio estatal da violência é simples. O caro
ouvinte está tendo uma contenda, controvérsia, uma briga que seja com seu
vizinho? Leve-a para o Estado (para a justiça de pequenas causas) para que ele
faça a mediação.
Nunca, jamais, tente
resolvê-la na base do “olho por olho, dente por dente”. Deixe de lado sua própria
força e busque a força do Estado para resolver seu problema. Se você quiser,
literalmente, fazer justiça com as próprias mãos pode tornar-se um criminoso.
Aliás, eis de onde surgiu a expressão “fazer justiça com as próprias mãos”. Lá
trás, as sociedades definiram que não se faria mais justiça usando a própria
força e que se utilizariam os mecanismos do Estado para isso. Ou seja,
aceitamos usar as mãos do Estado, e sua força, para que o mais forte não se
saísse sempre vitorioso nos embates. Abrir mão da própria força e consagrá-la
ao Estado é a maneira que encontramos de não sermos um bando de trogloditas.
Se preferimos impor autoridade usando a própria
força ao invés de recorremos a força do Estado, através da justiça, somos
iguais ao gorila que para se impor perante ao seu bando bate no peito, urra e
avança contra seu oponente, mas sem agredi-lo fisicamente. Uma família não
deixa de ser um Estado em miniatura, com um, ou uma, chefe responsável pelas
leis e punições a um grupo. Nós nascemos, sim, pequenos trogloditas e é a
educação que pode nos levar ao processo civilizatório. Mas, afinal, porque eu estou falando
tudo isso? É que, por vezes, tenho a impressão que estamos voltando à barbárie.
É como se achássemos que devemos pedir de volta ao Estado a força que
consagramos a ele e somente a ele.
É como se a lei (e a punição) não
tivessem mais que ser aplicadas pelo Estado por não serem suficientemente duras
e cruéis como gostaríamos. Vi, certa vez, dois motoristas numa luta (física) de
vida e morte por causa de uma contenda de trânsito. Não seria mais fácil chamar
os agentes de trânsito para intermediarem a contenda? Sim, seria. Mas, é que os
dois motoristas não deixaram o estado de barbárie em que nasceram. Nasceram
trogloditas, agem como gorilas, talvez um dia possam agir como civilizados.
AQUI É O
POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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