segunda-feira, 23 de junho de 2014

OU NORDESTINO, MAS NÃO SSOU ENGRAÇADO!


Um evento como a Copa do Mundo serve para muitas coisas boas e outras tantas ruins. As situações de extrema dificuldade, ocorridas numa disputa onde o jogador tem que provar que é bom em apenas um jogo, revelam o caráter das pessoas. Vejam o caso do atacante da seleção de Portugal, Christiano Ronaldo, que retirou do seu braço a faixa de capitão de seu time, depois que a seleção alemã fez o terceiro gol naquela fenomenal goleada aplicada em nossos patrícios europeus. Era como se Christiano Ronaldo estivesse dizendo: “eu não tenho nada haver com isso, não sou responsável por isso”. O que se espera do capitão, de um time de futebol, é que ele lidere seu time nas vitórias e, principalmente, nas adversidades.

Na linguagem da “boleirada”, i.e., dos jogadores de futebol, o CR7, literalmente, pipocou. Já Iker Casillas, goleiro da seleção espanhola, mostrou todo seu caráter quando assumiu responsabilidades diante do naufrágio precoce do seu time na Copa do Mundo. Mas, em termos de caráter, altivez e dignidade quem deu uma demonstração impecável foi Givanildo Vieira de Souza. O caro ouvinte sabe quem é esse jogador? Ele é o Hulk, o camisa sete, atacante da seleção brasileira e do Zenit São Petersburgo. Como todos sabem, Hulk é paraibano, de Campina Grande. A história dele é como a de qualquer outro nordestino que precisa sair de casa, e de sua cidade, bem cedo em busca de melhores condições de vida para si mesmo e para sua família.

A primeira vez que ouvi falar em Hulk ele jogava no Vitória da Bahia. Com apenas 18 anos, foi para o Japão. Em 2008, se transferiu para o Porto de Portugal. Na temporada 2010-11 ele foi o artilheiro do Campeonato Português com 36 gols. Hulk é um dos “obreiros” do Felipão. Com funções específicas na seleção, ele não tem como aparecer mais e melhor. É que ninguém está autorizado a brilhar mais do que Neymar Jr. Aliás, este é um que ainda precisa demonstrar seu caráter fora de campo. No domingo, 15/06, a Seleção Brasileira se preparava para viajar do Rio de Janeiro até Fortaleza onde jogaria com o México na terça-feira. Hulk foi escalado para a entrevista coletiva. É que ele havia abandonado o treino por sentir dores.

Hulk foi para a entrevista visivelmente preocupado, pois ainda não sabia a extensão dos danos que terminaram por tirá-lo do 2º jogo. Aliás, a comissão técnica bem que poderia ter poupado o jogador de enfrentar uma coletiva numa situação daquelas. Tudo poderia ser resolvido com um comunicado oficial do médico da seleção. Mas, é que existe o tal protocolo FIFA que toda a humanidade parece ser obrigada a seguir. Na entrevista, foi aquele bombardeio de perguntas sobre as condições físicas de Hulk. Ele ia administrando a situação, dando respostas óbvias para perguntas irritantemente redundantes que só pessoas, que nada sabem de futebol, insistem em fazer sobre futebol. Eis, então, que um jornalista que quis ser diferente. Foi o primeiro erro dele.

O jornalista, que não foi identificado, perguntou a Hulk: “Qual é o diferencial do povo nordestino? Porque ele é tido como engraçado, principalmente o cearense?”. Antes mesmo que Hulk pudesse responder, o jornalista emendou o preconceito explícito. Disse ele: “Eu pergunto por que é que o povo nordestino é tão diferente, por que é tão engraçado? É o sotaque que faz ele ser engraçado para o resto do país?”. Eu estava assistindo a entrevista ao vivo e, confesso, fiquei furioso com a pergunta cretina. Mas, Hulk foi de uma elegância a toda prova. Ele ficou visivelmente irritado, mas soube se comportar. Fosse um Romário, um Rivaldo, ou mesmo o próprio Felipão, teria saído no braço com o estulto jornalista que pensa que nosso sotaque é uma piada.


Eu tinha uma discreta admiração por Hulk, mais pela personalidade que ele apresenta em campo, do que propriamente pelo futebol dele na seleção. Mas, com a resposta que ele deu ao tal jornalista, eu passei a admirá-lo bem mais. Ao contrário do CR7, Hulk não tirou a faixa do braço. Ele foi direto ao ponto e disse: “Eu não levo por esse lado. Até porque nós não fazemos graça pra ninguém. O povo nordestino é diferente porque a Seleção não joga sempre lá”. Eu vibrei com a resposta. Parecia que ele estava fazendo um gol. Na verdade, ele fez, sim, um gol de placa, pois além de todos os preconceitos que sofremos ainda temos que lidar com essa mania imbecil de nos tratarem como os bobos da corte da nação brasileira.

Sabem por que o jornalista quis saber por que somos engraçados, principalmente os cearenses? Primeiro, porque ele deve desconhecer que Chico Anysio era cearense e que criou este filão do humorismo seguido por muita gente. O jornalista acha nosso sotaque engraçado por puro bairrismo. Ele usou o sotaque, mas poderia ter colocado qualquer outra coisa.  O que importava era atirar mais uma vez o preconceito que, infelizmente, muitos nordestinos contribuem para que permaneça. Ajudaria bastante se nordestinos famosos não aceitassem o papel de bobos da corte nos programas de televisão, por exemplo. Seria muito bom que reafirmássemos que não fazemos graça, que não somos palhaços, para quem quer que seja. Eu estou até pensando em fazer uma camisa com os seguintes dizeres: “SOU NORDESTINO, MAS NÃO SOU ENGRAÇADO”.
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AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.

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