Noite de natal.
Enquanto as pessoas se confraternizavam, dois vândalos imbecis picharam a
estátua de Carlos Drummond de Andrade. As câmeras da Prefeitura Municipal do
Rio de Janeiro, instaladas bem em frente a ela, registraram tudo. Drummond foi
poeta, cronista, contista, tradutor, redator de jornais e revistas. Ele foi um
artista da palavra. Ele escrevia sobre o amor, a vida e as relações entre as pessoas.
Ele falava das coisas em sua volta e de nossa realidade social e política.
Drummond foi
fundamental para que eu despertasse o gosto pela leitura. Não só isso. Por
volta dos 15 anos de idade, eu coloquei na cabeça que seria escritor. Dai
comecei, pobre de mim, a tentar imitá-lo escrevendo crônicas. Nessas desastrosas
tentativas fui aprendendo a gostar de ler e de escrever. E fui admirando cada
vez mais a obra de Drummond. Vez por
outra, para fugir da aridez da análise de nossa realidade política, busco
refugio em suas crônicas e poemas. Sempre me divirto relendo uma coletânea de
crônicas de Drummond chamada “70 historinhas”. Ele tinha um senso de humor
inteligente, irônico, por vezes mal humorado. Ele foi mestre em observar a
realidade para descrevê-la em palavras.
A estátua tantas
vezes pichada é uma homenagem da prefeitura e do povo carioca a Drummond por
ele ter adotado o Rio para viver e trabalhar. Ela foi colocada no mesmo banco
onde Drummond costuma sentar para contemplar o mar, as pessoas e a vida. Dessas contemplações saíram histórias fantásticas,
como a crônica “Depois do Jantar”. Nela, ele descreve o caso de um assalto que,
por certo presenciou, onde a vitima tenta negociar com o assaltante para que
este não lhe leve um relógio.
A estátua fica no Calçadão
de Copacabana. O mineiro Leo Santana a fez em bronze, do mesmo jeito que
Drummond costuma sentar naquele banco, de pernas cruzadas e com a cabeça
inclinada de forma que pudesse ver o mar e quem passasse pelo calçadão. Dois
dias após sua instalação, em outubro de 2002, ela sofreu a primeira pichação.
Os óculos, que tão bem caracterizavam Drummond, foram várias vezes roubados. Vândalos
cariocas competem para ver quem se apropria da armação feita, também, em
bronze. Em maio de 2012, depois do décimo ataque, a prefeitura do Rio instalou
as câmeras que agora flagraram os dois vândalos patetas. Na ocasião, alguns
comerciantes adotaram a estátua para dela cuidar, mas não funcionou como se
pode perceber.
Aliás, eu não vou mais
chamar essa gente de vândalos. Pois, os povos das tribos germânicas que invadiram
o Império Romano no século V, depois de Cristo, eram chamados de bárbaros ou
vândalos por lutarem contra a dita civilização romana. Aqueles que destroem ou
arruínam bens públicos, obras de arte e objetos que servem a coletividade não
passam de marginais e como tais devem ser tratados. Eu espero que o casal
carioca fora da lei seja devidamente enquadrado. Boa forma de puni-los seria,
primeiro, mandar que limpassem a sujeira que fizeram e, depois, obriga-los a
ler toda a obra de Drummond como um cartaz, que já colocaram ao lado da estátua
que dizia: “não roubem meus óculos, leiam
meus livros”.
A estátua de
Drummond foi pichada com uma tinta branca. As partes mais atingidas foram o
rosto, o peito e as pernas. O que, afinal, move alguém a cometer um ato tão
tolo? Qual o prazer que se sente ao se depredar uma estátua que mau nenhum
causa? Isso tem haver com nossa histórica deseducação e com essa forma
equivocada que temos de lidar com o que é público. É que nós fomos formados para
não termos o sentimento de pertencimento ao que é de todos.
Achamos que o que é
público não é de ninguém. Os marginais da depredação se acham no direito de
fazer o que bem quiserem, pois a ideia corrente é que não se pode punir quem
atingiu um bem que não pertenceria a ninguém. E temos que considerar que o
depredador do bem público é um sociopata. É aquela pessoa desprovida de
qualquer consciência ou senso moral. É o indivíduo que age motivado para
agradar a si próprio, mesmo que isso perturbe outras pessoas. Também temos a
ideia, errônea, que os bens do Estado não nos pertencem e por isso mesmo podem virar
alvo de nossas revoltas. Ao contrário do que se possa imaginar, muita gente
acha que ao se depredar um bem público se atinge o governo. Ledo engano.
Drummond, onde quer
que esteja, deve achar graça do que já fizeram com sua estátua, pois isso só confirma
o que ele pensava acerca da natureza humana. Certa vez ele disse que: “O homem vangloria-se de ter imitado o vôo
das aves com uma complicação técnica (o avião) que elas dispensam.”. Pobres
de nós, pobres de ti, Carlos Drummond de Andrade.
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
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