Eu nunca fiz, porque nunca gostei, essas retrospectivas de final de
ano. Além de enfadonhas elas não acrescentam muito ao que já se sabe. Mas, para
não dizerem que não falei dos fatos, escolhi um deles, o mais importante da política
nacional em 2013. Neste ano, a Comissão Nacional da Verdade trabalhou bastante investigando
violações de direitos humanos ocorridas entre os anos de 1946 e 1988. Os
trabalhos dela serão concluídos em 2014, quando completaremos 50 anos do golpe civil-militar
de 1964.
Em termos de
perspectivas, a grande questão é: o que faremos com a Lei da Anistia de 1979?
Nem na Comissão, e muito menos no governo federal, existe um consenso sobre se
é possível revisar a Lei da Anistia. O que se argumenta é que só se pode punir
os que violaram os direitos humanos, praticando tortura, por exemplo, se a Lei
da Anistia for extinta ou, pelo menos, revista. O problema é que colocamos,
literalmente, o carro na frente dos bois. Deveríamos primeiro ter apurado as violações
cometidas. Depois, teríamos que ter julgados os violadores para só então
podermos pensar em quem poderia ser anistiado. Fizemos o inverso - anistiamos
todos indiscriminadamente e agora queremos justiça.
A Comissão não julga
e não condena. Ela vai, e isso não é pouco, apresentar um relatório com fatos
que apurou e com sugestões de reformas em instituições coercitivas. Os membros
da Comissão discutem sobre o que propor acerca da Lei da Anistia. Espera-se que
se proponha uma revisão. Mas, o problema não é simples, pois a Lei da Anistia
impede a condenação penal de agentes do Estado acusados de crimes de lesa
humanidade (tortura, por exemplo) ocorridos durante a ditadura militar.
A questão é que a Anistia
serviu tantos aos militares como aos que lutaram contra a ditadura. Alguns
defendem que a lei não se aplica ao caso dos desaparecidos políticos, pois como
os corpos não foram encontrados, o crime não teria terminado. Mas, até quando
jogaremos a sujeira para debaixo do tapete? A Corte Interamericana de Direitos
Humanos condenou, em 2010, o Estado brasileiro por violações no combate à
guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1974. Na mesma sentença, esta Corte, que pertence a
Organização dos Estados Americanos, entendeu que a lei brasileira não é
compatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A fama de país
bonzinho, do Brasil, está seriamente ameaçada.
Mas, existem os que defendem que a CNV recomende em seu relatório
que o Poder Judiciário apure as violações que foram sendo relatadas em todas as
audiências públicas realizadas neste ano de 2013. Nessas audiências todos
tiveram vez e voz. Militares acusados de
praticar tortura e militantes torturados, além de seus familiares, relataram
suas histórias de vida. Este foi o grande fato de 2013. Finalmente, nossas
feridas não cicatrizadas foram remexidas. Foram mais de 40 audiências, com a
coleta de mais de 300 depoimentos. Um grande fato foi à exumação do corpo do
ex-presidente João Goulart, pois a suspeita de que ele foi assassinado existe há
muito tempo e, claro, tem que ser investigada.
E vejam outro fato importante. Os trabalhos da CNV deram lastro
para que se criassem mais de 70 Comissões pelo Brasil afora. Todas estam investigando
as violações aos direitos humanos praticados pelo Estado militarizado. Para se
ter ideia do trabalho da CNV, vejamos o que disse o coronel reformado Carlos
Alberto Brilhante Ustra em seus depoimento à Comissão. Ustra foi comandante do
DOI-Codi em São Paulo, um centro de tortura montado pelo governo federal.
Ele disse que: “Quem deveria estar aqui é o Exército
brasileiro. Agi com a consciência tranquila. Nunca ocultei cadáver. Sempre agi
dentro da lei". Isso é quase uma confissão. Ele tinha consciência que
agia dentro da lei. A lei da ditadura, claro. Ustra diz que
nunca ocultou um cadáver. Deduz-se, então, que ele praticou a tortura e que
levou pessoas a morte por causa disso. Ele apenas não ocultava os cadáveres que
produzia. É que ele era o comandante, outros faziam isso por ele.
Já o coronel reformado do Corpo de Bombeiros
do Rio de Janeiro Walter da Costa Jacarandá admitiu, também em depoimento a
CNV, ter participado de sessões de tortura no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Disse ele: "Participei de interrogatórios e certamente houve excessos. Choque
elétrico, pau de arara é fato que aconteceram”. Claro, já sabíamos disso.
Mas, ouvir essa verdade vinda de um militar, que praticou a tortura, é algo chocante.
O fato é que neste ano se gerou mais informações sobre nosso passado ditatorial
do que nos últimos 20 anos. Mas, o que vamos fazer com essas verdades? Vamos
jogá-las para debaixo do tapete ou vamos usá-las para sermos mais democráticos?
AQUI É O POLITICANDO, COM GILBERGUES SANTOS, PARA A CAMPINA FM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário